Nesta quarta-feira (2), quando se completam 32 anos da mais emblemática chacina do sistema prisional brasileiro, os 69 policiais militares (PMs) condenados pelo Massacre do Carandiru gozam do indulto concedido por Jair Bolsonaro (PL) em 2022, em um dos seus últimos atos à frente da presidência.
Enquanto aguardam em liberdade que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue a constitucionalidade deste indulto natalino, é possível que os crimes prescrevam.
A Corte foi acionada pela Procuradoria Geral da República (PGR) ainda no apagar das luzes de 2022, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que questiona a validade do indulto de Bolsonaro, por considerar os crimes de lesa humanidade.
Após a aposentadoria da ministra Rosa Weber, Luiz Fux assumiu a relatoria da ação. Procurada pelo Brasil de Fato, a assessoria do STF confirmou que não há, no entanto, data prevista para o julgamento.
Até o momento, vale a decisão do último 7 de agosto do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que considerou constitucional o indulto aos PMs. Enquanto isso, o tempo corre. Em média, o crime de homicídio qualificado prescreve em duas décadas. Quando os acusados têm mais de 70 anos, como é o caso de alguns dos policiais envolvidos no massacre de 2 de outubro de 1992, o crime caduca em uma década.
Dos cerca de 350 PMs que atuaram no episódio que deixou ao menos 111 homens mortos no pavilhão 9 da Casa de Detenção em São Paulo, 74 foram condenados. Os cinco júris populares que os sentenciaram a penas que, nunca cumpridas, variam de 48 a 624 anos de prisão aconteceram entre os anos de 2013 e 2014. Neste meio tempo, cinco dos policiais morreram.
O tenente-coronel Ubiratan Guimarães foi quem comandou as tropas do Massacre do Carandiru. Em 2001, foi condenado a 632 anos de prisão pelo assassinato de 102 detentos, mas também não chegou a cumprir pena.
Em 2006, eleito deputado estadual de São Paulo pelo PTB, Ubiratan passou a ter foro privilegiado. Neste mesmo ano, o TJ-SP o absolveu. Pouco tempo depois, em setembro, Ubiratan Guimarães foi assassinado dentro do seu apartamento.
“Não foi e não é episódio isolado”
O nome do tenente-coronel aparece na letra de uma música que, em exaltação ao Massacre do Carandiru, foi entoada por alunos do curso de soldados da PM paulista e que viralizou em julho deste ano.
“A caveira já estava sorrindo para o detento / Lá só tinha lixo, a escória, na moral / Foi dado ‘pista quente’ para derrubar geral”, cantou um soldado de nome Breno, no meio de um coro que dançava e repetia seus versos: “Corpos mutilados e cabeças arrancadas / O cenário é de guerra, tipo Vietnã / A minha continência, Coronel Ubiratan”.
“Isso não só ridiculariza a morte das vítimas, mas também reflete a invisibilidade da dor desses familiares que perderam entes queridos e que gostariam de ter justiça em nome de todos aqueles que não estão mais aqui”, avalia Isadora Meier, assistente jurídica da Pastoral Carcerária Nacional.
“O Massacre do Carandiru não foi e não é um episódio isolado”, resume Meier. “Desde então, são episódios cruéis que acontecem diariamente não só no sistema prisional, mas também em comunidades periféricas e que deixam milhares de pessoas jovens e negras mortas”, diz.
Para citar apenas casos dentro de presídios, em 2017, 55 pessoas foram mortas no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus (AM). Dois anos depois, outras 62 pessoas foram assassinadas no Centro de Recuperação Regional de Altamira (PA).
“O Massacre do Carandiru é uma das provas de que o encarceramento em massa gera fatalidades irreversíveis para toda a sociedade”, afirma carta da Pastoral Carcerária lançada nesta quarta-feira (2).
Ao longo destes 32 anos, no entanto, a população carcerária brasileira saltou 739,68%. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, o Brasil tem 846.021 pessoas privadas de liberdade. Destas, 69,1% são negras.
Edição: Nicolau Soares